
LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Futurologia é um exercício sobre o qual a arte se debruça com frequência e, no cinema, os primeiros anos do século 21 foram cenário fértil para previsões. A virada do milênio e as mudanças tecnológicas aceleradas inspiraram cineastas e roteiristas a pensar como estaria a sociedade hoje.
Com o encerramento deste primeiro quarto de século 21, outro exercício interessante é observar onde a arte acertou e onde errou, deixando suas invenções para o campo da ficção científica. E se o grande tema de 2025 foi a inteligência artificial, nos filmes ela já é personagem há muito tempo.
Talvez o retrato mais óbvio dessa tecnologia nas telonas tenha sido feito por Steven Spielberg na virada do milênio, com “A.I.: Inteligência Artificial”. Ao continuar o trabalho de Stanley Kubrick, que morreu antes de realizar o filme, o cineasta pensa uma sociedade acostumada com robôs domésticos e já maltratada pela crise do clima.
É uma continuidade lógica dos anos 1990, quando o roteiro foi concebido, mas que não se concretizou. Por mais que a tecnologia esteja presente em vários cantos do lar e que o aumento do nível dos oceanos seja um problema, ainda não convivemos com robôs que se passam por humanos ou cidades que desapareceram nos mares.
Outro clássico da ficção científica, concebido novamente por Kubrick, “2001: Uma Odisseia no Espaço” também achou que as máquinas estariam mais avançadas no início do século. Um dos grandes vilões da história do cinema, Hal 9000 é inteligente e persuasivo. Sua autonomia, porém, vai muito além da realidade, e o transforma em homicida. Por sorte, ChatGPT e companhia não adquiriram essa habilidade.
Mais preciso foi Spike Jonze em “Ela”. No longa, ambientado em 2025, Joaquin Phoenix se apaixona por uma inteligência artificial que toma a voz de Scarlett Johansson. No mundo real, já vemos relacionamentos entre máquinas e humanos acontecendo -e trazendo preocupações.
Em dezembro, uma japonesa fez uma festa de casamento para trocar alianças com um chatbot e ganhou a internet. De vestido de noiva e óculos de realidade virtual, ela subiu ao altar, mesmo que aquilo não tivesse validade legal, para ilustrar o que algumas pesquisas já indicam -vínculos afetivos e íntimos com inteligências artificiais estão cada vez mais frequentes.
Menos mirabolante em suas previsões, mas ainda assim falho na futurologia, “De Volta para o Futuro: Parte 2” talvez seja o filme mais conhecido por brincar com o amanhã. Lançado em 1989, o longa de Robert Zemeckis é, em boa parte, ambientado em 2015, ano em que supostamente estaríamos convivendo com carros e skates voadores, roupas autoajustáveis e refeições completas que cabem na palma da mão.
Em seu otimismo tecnológico, porém, o filme fez alguns acertos. Previu corretamente, por exemplo, que viveríamos cercados por telas e que, na sala de casa, televisores planos e gigantescos fariam muito mais do que as TVs de tubo de antigamente. Os óculos de realidade virtual também se concretizaram, bem como a tendência de explorar franquias de filmes infinitamente -numa das cenas, Marty McFly vê “Tubarão 19” em exibição no cinema.
Mais do que isso, “De Volta para o Futuro” acertou que viveríamos em tempos de política-espetáculo. Com o vilão Biff Tannen, o filme imaginou uma realidade em que a política é dominada por figuras midiáticas e populistas, numa leitura quase profética dos tempos de Donald Trump e Jair Bolsonaro.
Quem exagerou nas previsões políticas foram o japonês Kinji Fukasaku e o americano James DeMonaco. Em “Batalha Real” e “Uma Noite de Crime”, respectivamente, os cineastas imaginam governos tomando medidas drásticas para solucionar problemas de comportamento e criminalidade.
No primeiro caso, o Japão da virada do milênio está em crise, diante de taxas de desemprego crescentes e de uma juventude que desrespeita os mais velhos. Para tentar mitigar o problema, o governo adota uma lei que determina que, todos os anos, os alunos de uma sala de aula do país devem se enfrentar numa arena, matando uns aos outros.
O segundo filme também toma o colapso social, dessa vez nos Estados Unidos, como justificativa para a adoção de uma lei igualmente brutal. Nela, uma vez ao ano, todos os crimes estão liberados no território americano. No chamado “expurgo anual”, homicídios cruéis são praticados sem interferência da polícia -na prática, quem morre são os mais pobres, incapazes de se trancar em casarões com belos aparatos de segurança.
Hiperbólicas, as realidades de “Batalha Real” e “Uma Noite de Crime” não se concretizaram, mas ao menos anteciparam dois temas pulsantes em anos recentes -os conflitos geracionais e as políticas de segurança que prejudicam populações vulneráveis.
Também é violento o futuro projetado por Alfonso Cuarón em “Filhos da Esperança”. O filme começa em 2027, mas o colapso da sociedade apresentada na trama acontece muito antes. Nos minutos iniciais do longa, sabemos que a última pessoa a nascer na Terra agora tem 18 anos e boa parte do mundo está sob lei marcial. Nada disso se concretizou, mesmo que as taxas de natalidade estejam desacelerando em vários países.











